Prólogo

A paixão pela leitura de imagens

Quando um quadro, um filme ou simplesmente um anúncio nos interroga, nos sentimos atraídos e voltamos a ele. A leitura de um texto é um processo de revê-lo, relê-lo, retomá-lo. O primeiro contato com um texto, seja ele literário, pictórico, escultórico ou cinematográfico, é sempre uma surpresa. O texto nos atrai e a ele nos dirigimos. Pegamos um livro na estante, vamos ao cinema, entramos em uma sala de exposições e lá está ele a nos interrogar. Essa primeira proximidade é uma atividade de conhecimento, quando entramos em contato com os elementos do texto, seu universo, suas figuras e seu fundo, sua aventura. Vamos ouvir o que estes textos nos dizem, o que eles podem nos contar, que relatos vão nos narrar.

Então empreendemos o caminho da leitura. Esta é uma atividade de reconhecimento1 do texto. A análise não é mais que um momento de leitura: o momento da decomposição do texto, do trabalho cuidado, detetivesco, de encontrar na superfície os elementos que nos conduzam ao seu âmago. Analisar é determinar as escolhas, estabelecendo conexões entre os elementos do texto, percorrendo sua rede, descobrindo seus nós e laços com outros textos já conhecidos e dantes navegados. Ler é soletrar, seguir o movimento da escritura, seu ritmo, sua cadência, sua textura, seus brilhos e sombras, seus aromas, seu sabor, é um trabalho em busca do sentido e, para tanto, usamos todos os sentidos. Pois fazer a leitura de um texto é imergir nele, colocar todo o nosso ser no processo. Não é uma aventura para se fazer navegando apenas na superfície, é preciso aprofundar-se, mergulhar e deixar-se envolver totalmente até encontrar suas entranhas. (1. Esta teoria foi desenvolvida a partir da leitura de González Requena - 1985).

Texto é espaço de dialética, de encontro entre o que é discurso e o que escapa ao plano do discurso. Entre o dito e o não dito, entre lapsos e manchas, entre véus e revelações, entre gritos e silêncios, entre a beleza e o estranho. Texto pode ser definido como âmbito de experiência de linguagem para o sujeito.
Trata-se de contemplar sempre o avesso do tapete, as costuras e as la¬çadas que possibilitam a firmeza do mesmo, ou sua proliferação de cenas vivas e animadas. Trata-se de situar-se sempre no limite entre este “esplendor” de vivacidade e de relato e a face oculta, ou sombria, que normalmente fica de fora da representação. (TRÍAS, 2006, p. 18, tradução nossa)

Esse algo que nos tocou e nos emocionou em um filme ou obra de arte não pode ser articulado como significação, pois está além da significação. E é no além de onde situamos o sujeito da experiência. Um texto nos afeta porque nos interrogou, mobilizou nosso desejo.

Aventuremo-nos, pois, pelos meandros dos textos de artes plásticas, do cinema e da publicidade. As disciplinas teóricas que guiam nossa análise são a antropologia, a psicanálise, a semiótica narrativa e a teoria do texto. Partimos da noção antropológica do mito, pois, como nos ressalta Eliade (1973), os símbolos, mitos e ritos revelam sempre uma situação-limite do homem e não somente uma situação histórica. Situação-limite, isto é, aquela que o homem descobre ao ter consciência de seu lugar no universo. Apoiamo-nos, em boa medida, na psicanálise, justamente onde esse campo aborda uma teoria da linguagem em relação direta com a constituição da subjetividade humana. Por sua vez, a semiótica narrativa nos permitirá uma formalização da análise, que trataremos de transcender a uma teoria do relato.

A teoria do relato constitui a nossa estrutura teórica de apoio, aquela que nos guia e fundamenta nossa travessia pelos textos. Mas, fazemos questão de ressaltar: durante o trajeto de leitura textual nos deixamos conduzir pela paixão.